segunda-feira, 27 de julho de 2009

Pambu Njila - Um Mito Africano ou "Cristão"?





Não tenho pudor nenhum em dizer que a igreja neo-pentecostal brasileira é um misto ritual de protestantismo impregnado de concepções umbandistas e candomblecistas. Isso está óbvio, explícito.

Quem é de origem neo-pentecostal já ouviu falar, com toda certeza, que a “Pomba Gira” é a responsável pela orientação sexual homossexual (no caso das lésbicas o responsável é algum “exu” masculino). Quantas vezes já ouvi, aqui em terras neo-pentecostais meritienses, das influências de “pombas-gira” e “exus” nas sexualidades, mostrando a influência da Umbanda na formação da teologia neo-pentecostal e até mesmo pentecostal.

Mas porque tal personagem mítico exerceria tanta influência na sexualidade, segundo os neo-pentecostais-umbandistas modernos?

Vamos analisar?

1. O Mito de Pambu-Njila

Os negros Bantu foram trazidos para o Brasil através do tráfico negreiro a partir do Século XVII. Os Bantu não formam um único povo, mas diversas tribos que habitavam Angola e a África central. Os Bantu foram trazidos para o Rio de Janeiro, em sua maioria, e para São Paulo e Espírito Santo. Não foram levados à Bahia, ao contrário do que alguns pensam, pois os negros baianos são de origem nigeriana. Migraram para a Bahia após rebeliões, criando lá alguns quilombos. Isso talvez explique o caldeirão de cultura negra na Bahia.

Mas eu quero me ater a um personagem da cultura e religião Bantu, Pambu-Njila, divindade intermediária entre os deuses (Nkisi) e os homens. É a divindade bantu mais parecida com os homens, ligada diretamente ao sexo, à fertilidade e à colheita. Pambu-Njila transita entre os sexos, e é meio humano e meio Nksi para os Bantu. É adorado e temido em Angola e em outras regiões (variando o seu nome: Esu, para os Yorubás e Legbara em Lagos, na Nigéria) com o formato de um grande falo, ou pênis.




É bom lembrar também que as divindades da África sub-saariana (assim como as divindades greco-romanas) não possuem caráter “santificatório”, de separação com o humano, o “baixo”, e nem mesmo são totalmente “boas” ou “más”, pois possuem características humanas, antropomórficas. A religiões africanas não possuem dualismo entre bem e mal, pois não sofrem a influência persa (zoroastrismo), como o Judaísmo e Cristianismo.

O que acontece com Pambu-Njila em terras brasileiras cristianizadas (e até mesmo em terras africanas em processo de “cristianização”)?

Dá pra imaginar! Então imaginemos juntos: Pambu-Nijla é uma criação mitológica dos Bantu, adorada em forma fálica, como dissemos, ou seja é um deu-pênis, ligado à fertilidade feminina, à sensualidade. É uma divindade mitológica com características humanas, sem a aura de santidade das religiões monoteístas. Os mitos africanos mostram Pambu-Njila nas encruzinhadas confundindo os viajantes [Pambu ou Mpambu, significa "encruzilhada"; e Njila siginifica "caminho", na língua Bantu], matando, criando confusão e intrigas, embebedando-se e fazendo muito, muito sexo. Com quem os missionários católicos vão o identificar quando em terras tupiniquins? Ora, claro, com o seu diabo medieval, com chifrinho e rabinho e tudo.

O processo de “cristianização” também se deu nas religiões de origem africana no Brasil, de modo que o antigo mito fálico e masculino (embora transitante entre os sexos) africano tornou-se, no início do século XX, na Umbanda sincrética brasileira, em “Pomba Gira”. Desta vez não mais um Nkisi tribal, mas um demônio feminino “cristão”, sim “cristão”, ligado ao sexo e todas as suas perversões: prostituição, adultério, pornografia e, claro, “homossexualismo”, como não poderia deixar de ser.

Foi assim que a “Pomba-Gira” deixou seu antigo lugar de culto como a divindade Pambu-Njila, que só queria pequenas porções de farofa (Ypadê) e ganhou lugar nos púlpitos neo-evangélicos e neo-cristãos, dando entrevistas nas redes de TV brasileiras, com mãozinhas para trás, rosnante e sempre disposta a responder à pergunta: “O que você faz na vida dele ?” e ela responde: “Eu o transformei em homossexual, Yahahahaaa!”

Se perguntar a uma dúzia de neo-cristãos, de algum “ministério” sobre a influência da Pomba-Gira na vida das pessoas, pegue uma caderneta e uma caneta e comece a anotar os dados da teologia-cristã-umbandista, dados empíricos, “revelados” nas manifestações da própria Pomba-Gira nos “cultos” “cristãos” (?)

Dia desses, dentro do metrô, conversando com um amigo, oriundo de uma igreja neo-inclusiva (é tanto neo pra minha mente!), ele me relatou da manifestação de uma “Pomba-Gira” em uma reunião da Igreja, apontando o dedo para as pessoas e dizendo que todos eram infiéis, pois ela sabia de tudo. Eu, assustadíssimo, e ele continuando o papo, me relatou de um ex-pastor de uma mega-igreja neo-pentecostal (IURD?), que presenciava reuniões fechadas de pastores, onde o “Bispo” cantava um “ponto de Pomba-Gira” para que a digníssima se apresentasse corporeamente em algum deles para contar e apontar os que estavam em pecado!

Assim testemunhamos o nascimento de uma coisa que, de forma alguma, poderia ser chamada cristianismo.

O que São Lutero e São Calvino diriam da Pomba-Gira? É uma pergunta que sempre me faço! Vou procurar nas Institutas! Juro!

Não sou antropólogo e ainda também não sou historiador formado (ainda), e tentei resgatar, de maneira ainda amadora, um pouco das origens deste ser mitológico, de seu processo de demonização e porque não de “cristianização”, através do sincretismo religioso, afinal as igrejas que crêem nas forças sobrenaturais da “Pomba-Gira” são as mesmas que acreditam (?) num Deus Único. Será?

Como cientista dá pra entender o que a sociedade judaico-cristã empreendeu à cultura negra, desprendendo-a de todo o seu significado original e demonizando-a por completo, e isso é lamentável. Por outro lado, como cristão, protestante e calvinista, é lastimável ver o caminho que o cristianismo protestante (?) tupiniquim vem percorrendo, sobretudo nos últimos 30 anos.

Dizer que o neo-cristianismo brasileiro é monoteísta (adorador de um só Deus) é pura ilusão. No mínimo eu o identificaria com um tipo de politeísmo monolátrico, ou seja, uma religião cheia de divindades, eternamente conflitantes entre si, e numa eterna luta de poderes entre bem e mal (maniqueísmo), cujo “deus” dominante é uma cópia do Jesus dos Evangelhos, mas apenas cópia.

Será que teremos o privilégio de reviver alguns Luteros e Calvinos em nossa geração, para tentar dar um jeito nessa babel religiosa chamada “igreja evangélica” em terras tupiniquins? Até quando a “Pomba-Gira” e seus auxiliares farão parte do culto “evangélico”? (Nada contra a religião afro-brasileira, mas creio que tal divindade os pertença e não à cosmologia cristã)

A cada “entrevista” com o esses personagens folclóricos e mitológicos nos programas de TV evangélicos eu não sei se choro ou rio. Às vezes acho que é melhor rir pra não sofrer, mas noutras vezes creio que seja melhor não me dar esta oportunidade, como se estivesse sendo cúmplice da balbúrdia neo-louca que roubou até os mitos dos povos negros, os demonizou, alterou e os entronizou nos pseudo-cultos evangélicos.

Tenho certeza que se tivéssemos a oportunidade de voltar no tempo e trazer um Bantu, para assistir a um IURD-culto, ele não identificaria seu deus-falo nas neuróticas, psicossomáticas e esquizofrênicas apresentações das modernas “Pombas-Giras” evangélicas.

Peço ao Senhor, não que nos livre das “Pombas-Giras”, que só existem na mente envenenada do povo que perece por falta de conhecimento, mas que nos livre de quem as entronizou nos púlpitos, trazendo junto com elas todo preconceito contra os marginalizados (prostitutas e nós homossexuais), que segundo eles, são frutos de sua influência.

Quem dera que as míticas “Pombas-Giras” voltassem para o seu lugar de origem: os cultos afro-brasileiros, e deixassem o culto evangélico novamente devotado a um só Deus: O Deus trino, que governa todas as coisas pela palavra do seu poder.

Triste influência e corrupção dos neo-evangélicos, neo-pentecostais e neo-cristãos... Triste!

Diác. Luiz Gustavo.



* Fonte teórica dos mitos de origem de "Pambu Njila": Prof. Dr. Sérgio Paulo Adolfo, da Universidade de Londrina. Mestre em Literaturas afro-brasileiras e Doutorado em literaturas africanas de Língua Portuguesa. www.ritosdeangola.com.br

3 comentários:

Eduardo Peret disse...

Muito interessantes as suas colocações. Especialmente pelo modo respeitoso como foram feitas, em relação às religiões de matriz africana.

As "pombas-giras" que surgem nas igrejas neopentecostais parecem uma piada de mau gosto. Além dos casos de fraude explícita e teatralização do fenômeno da possessão (alguns casos assim já foram denunciados às autoridades e à imprensa), esse processo de "demonização" de algo que não é "demoníaco" (uma vez que não há "demônio" de verdade nos rituais africanos e seus derivados) já devia há muito ter sido levado à Justiça.

Só em um caso de que eu tive conhecimento, a entidade surgiu furiosa em pleno culto e falou um monte de verdades secretas sobre os fiéis, causando grande confusão e brigas. Nessa eu até acredito, pois fez exatamente uma das coisas que Esu (tenha o nome que tiver) melhor faz - provocou a discórdia para mostrar a verdade e trazer mudança e evolução.

Nos demais casos, trata-se de uma manifestação de total desrespeito e discriminação contra a liberdade de expressão religiosa - a mesma liberdade que justamente essas igrejas insistem em evocar toda vez que alguém fala, por exemplo, em criminalizar a homofobia, ou pisa no calo delas de outra forma.

Só que os tempos mudaram. Em vários locais, não se permite mais carro de som berrando sobre cultos dessa ou daquela igreja, invadindo a vida de quem já é feliz na sua própria religião; umbandistas e candomblecistas podem arriar seus despachos em paz, sem temer perseguição - e ai de quem os perseguir, pois sentirá o peso da lei.

Tolo é quem pensa que "por servir a Deus, está acima da lei dos homens". Até porque, como ficou bem demonstrado neste artigo, pode-se duvidar e muito da natureza do "Deus" ao qual essas pessoas intolerantes servem...

Parabéns!

Anônimo disse...

Boa noite.
Gostei de seu texto,vc se embasou bem
na pesquisa das religioes tribais,só gostaria de acrescentar um comentário.
Como estudante de ciencias sociais que vc é,esta ciente que quase todas as religioes sao fruto de sincretismo.
Religioes são formas arcaicas de se tentar explicar fenomenos que não comprendemos ou não queremos aceitar.
Nem todos tem seu conhecimento para se aperceber que estão sendo preconceituosos ou obtusos(algums fundamentalistas).
Veja esta pessoas com pena,pois vivem no seculo 21 mas suas mentes são medievalistas,o seu blogger já é um instrumento de combate ao preconceito e a oportunidade de esclarecer e não criticar pois toda cultura é filha do seu tempo por pior que seja,um dia não havera mais preconceito esteja certo disso.
Bj um abraço,e continue estudando.

katia disse...

MUITO BOM ,QUE ESCREVEU ESTÁ DE PARABÉNS,É VERDADEIRA MENTE MAQUIAVÉLICO O MODO COMO TENTAM DESTRUIR A RELIGIÃO ÁFRE TUDO COMEÇOU COM A MALDITA ,igreja CATÓLICA!