segunda-feira, 30 de maio de 2011

QUANDO OS NÚMEROS NÃO CONTAM


Experimentei várias sensações interessantes na Caminhada de Protestos deste domingo último (29.05.2011) entre as orlas de Ipanema e Copacabana, protagonizadas pela Comunidade Betel/ICM do Rio de Janeiro e pelo Grupo Diversidade Católica, que juntos tomaram uma iniciativa sem precedentes para o ativismo LGBT em nossa cidade: pela primeira vez se viu um ato político e religioso de identidade LGBT. Quem foi e viu, se emocionou e não saiu do mesmo jeito que chegou.

Uma das coisas mais interessantes que pude presenciar nesse ato foi o seu início. Quando lá cheguei com meu companheiro levei um choque pelo número reduzido de pessoas. Não que isso me surpreendesse. É muito difícil reunir o povo LGBT em torno de uma causa reivindicatória, sem o aparato carnavalesco de carros de som alucinados com música tecno. Modelo questionável e esgotado ao meu ver, mas isso é uma outra discussão que poderá ser abordada em outro ensaio.

Ao ver o número minúsculo de pessoas (que depois para o meu alívio aumentaria substancialmente) entristeci. Não comentei nada com o meu companheiro, mas me veio aquela constatação ingrata do grau clínico de alienação da sociedade em que vivemos.

Outra coisa que me chocou foi o frio. Um vento que baixava a temperatura a 18 graus e nenhum sol; realmente a natureza não convidava ao ato político que tínhamos preparado, mas lá estávamos, com o espírito de ousadia e intrepidez que o movimento de Jesus (THYSSEN) inspirou desde os primórdios da história da cristandade. O cinza do céu e o frio nos impunha uma certa timidez, mas nossos companheiros do Diversidade Católica começaram a colorir o ambiente com a distribuição de fitas multicor ao público que passava, vendo o frio e a ressaca das águas revoltas que chegavam quase que ao cimento da orla.

O ato começou às 11 horas com a entoação em uníssono do hino nacional e com a oração do Pai Nosso, que marcava o ato político como sendo coordenado por dois grupos de identidade religiosa cristã inclusiva. Foi nesse momento que algo ocorreu, marcando o princípio de nossa caminhada. Deus nos fez viver algumas estrofes do hino nacional.

Pode parecer piegas, e até mesmo verdeamarelista o que vou dizer, mas não tenho nenhum problema com nossos símbolos pátrios. Prefiro que nossos grupos progressistas se apropriem deles do que deixá-los seqüestrados nas mãos de reacionários como Bolsonaros, revanchistas do regime militar ou conservadores de plantão. E por isso insisto que ontem Deus nos apresentou lindas metáforas do Hino Nacional Brasileiro. Mato a cobra e mostro o pau:

Assim que o Reverendo Márcio Retamero principiou o hino, algo muito misterioso e poético se processou: o céu, até aquele momento cinza e frio, abriu exatamente sobre nós uma clareira de onde começou a brilhar o sol que até aquele momento não mostrara sua face. Ou é muita coincidência ou vivemos na pele algo como:

(...) DE UM POVO HERÓICO O BRADO RETUMBANTE.

E O SOL DA LIBERDADE EM RAIOS FÚLGIDOS

BRILHOU NO CÉU DA PÁTRIA NESTE INSTANTE

Só não chorei copiosamente naquele momento, porque meu ser drama queer estava de repouso, diante da firmeza que o momento exigia. Mas que foi uma das coisas mais incríveis que já presenciei, isso foi. O sol da liberdade sorria para nós e nos inspirava a prosseguir.

Outra imagem interessante que me veio a cabeça durante nossa caminhada de ontem foi uma experiência que tive ao caminhar pelas ruas de Jerusalém em 2007. Estava em Israel afim de pesquisar para o meu doutorado e caminhando em uma tarde de domingo pela Cidade Santa eu via no centro da cidade próximo a Ben-Yehuda Street, quatro pessoas vestidas de preto, cada uma em um ponto eqüidistante de uma encruzilhada segurando um cartaz:

LIBERDADE PARA OS PALESTINOS: SOMOS CIDADÃOS ISRAELENSES CONTRA A OCUPAÇÃO ISRAELENSE!

Quatro pessoas que em nome de suas idéias protestavam nas ruas de Jerusalém! Quatro! E nós éramos dezenas em Copacabana.

Uma das razões deste texto que escrevo, é porque tenho acompanhado durante a semana algumas falas do pastor Silas Malafaia, em tom francamente jocoso e debochado contra as marchas e passeatas que LGBT’s tem feito em todo o Brasil pelo fim da Homofobia em nosso país. Uma das marcas do deboche de Malafaia é o número reduzido de participantes em nossas manifestações. Ele chegou a afirmar que a Marcha Contra a Homofobia em Brasília tinha apenas 1.500 pessoas.

Existem coisas que Silas Malafaia (fundamentalista-religioso), Jair Bolsonaro (fundamentalista-político) e Fanfarrão Minésio (fundamentalista-cristão-gay) jamais compreenderão: “números não contam”. Essa frase é abstrata demais, paradoxal demais para nossos inimigos ideológicos...é demais para eles. Eles nunca compreenderiam a altitude do grito que ontem gritamos, sem carro de som, sem megafone, e sem a pompa e circunstância da militâcia LGBT institucional.

Ao pararmos em frente a Igreja da Ressurreição em Copacabana, na saída de uma missa, gritamos: “Amai-vos uns aos outros, pecado é não amar!” Compreendi que nossa caminhada (bem no estilo Davi x Golias) marcava um ponto no avanço do movimento cristão inclusivo genuíno no Rio de Janeiro. Ao chegar em minha Igreja no Culto à noite (o que daria um outro texto enorme!!!) orei em ação de graças a meu Senhor pelo bom combate que havíamos combatido.

Quando o que está em jogo é uma causa “números não contam”, e a altitude do grito deixa de confundir-se com a histeria do berro.

Betel: Fé que pensa. Razão que crê!

André Sena. Trabalhador na vinha do Senhor.