sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Pastores, Sacerdotes ou Ídolos?




     Idolatria. Essa é a palavra que resume bem a atitude da maioria das igrejas evangélicas frente a seus pastores e líderes. A maioria, não todas, nem todos os crentes, mas uma grande maioria coloca seus pastores em pedestais de adoração, devotando a eles sua completa confiança e projetando neles seus anseios e frustrações.
     É bom que se diga que a moderna função pastoral não existia nas igrejas do primeiro século e a normatização da função, iniciada por Inácio de Antioquia, em suas cartas redigidas no ano 107. d.C, só foi finalizada quando da catolização da igreja cristã, com Constantino, no Século IV.
     A palavra “pastores” só aparece no NT uma única vez, numa psedo-epígrafe paulina, de muito tempo depois do período apostólico, mesmo assim designando função (não cargo) e dentro do contexto das multiplicidades de dons concedidos para a edificação da Igreja de Jesus:

“A uns ele constituiu apóstolos; a outros, profetas; a outros, evangelistas, pastores, doutores, para o aperfeiçoamento dos cristãos, para o desempenho da tarefa que visa à construção do corpo de Cristo...” (Efésios 4:11,12) – Bíblia Ave Maria.

A Bíblia de Jerusalém assim se expressa sobre o texto acima:
“Paulo cita aqui apenas carismas de ensino, que são os únicos que importam nesse contexto”. (pág. 2044)

Querer acreditar na existência de um cargo eclesiástico sacerdotal, como na atualidade, nas Igrejas primitivas é no mínimo ingênuo e no outro extremo fraudulento. Definitivamente, não existiam “pastores”, como os atuais, nas igrejas primeiras.
As primitivas igrejas, em sua grande maioria, seguiam o exemplo da sinagoga judaica em sua formação, com a diferença de não possuírem templo formal. Tais comunidades eram lideradas por “presbyteroi” ou “episkopos”, que possuem traduções diferentes, “ancião” para a primeira e “supervisor” para a segunda, mas falam da mesma função, e não cargo.
Presbyteroi e episkopos são OS líderes locais, sempre em grupo, nunca monarquicamente. Jamais serão chamados sacerdotes pelos primeiros crentes, pois estão cientes da doutrina elementar da Igreja, que os reformadores do Século XVI chamarão “Sacerdócio Universal”.

 "Está alguém  entre vós doente? Chame OS PRESBÍTEROS da Igreja, e orem sobre ele, ungindo-o com azeite em nome do Senhor." Tg 5:14

Em todo o NT não há, nunca, a ordenação ou nomeação qualquer pessoa que exerceria seu cargo monarquicamente. Há sim a ordenação, sempre, de um colegiado, responsável pelas diversas paróquias locais. [Presbíteros - Atos 11:30; 14:23 ; 15:2, 4, 6 , 22-23; 16:4; 20:17; 21:18; 1 Timóteo 5:17, 19; Tito 1:5; Tiago 5:14; 1 Pedro 5:1, 5.   Epíscopos/Bispos - Atos 20:28; Filipenses 1:1; 1 Timóteo 3:1, 2; Tito 1:7 (Atos 1:20).   Pastores - Efésios 4:11.]

stá alguém entre vós doente? Chame os presbíteros da igreja, e orem sobre ele, ungindo-o com azeite em nome do Senhor;

E a oração da fé salvará o doente, e o Senhor o levantará; e, se houver cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados.

Confessai as vossas culpas uns aos outros, e orai uns pelos outros, para que sareis. A oração feita por um justo pode muito em seus efeitos.
Tiago 5:14-16
Porém, já no Século II, este quadro havia mudado. Algumas igrejas gentias, sob a influência do paganismo, adotam o título “sacerdote” para se referirem as seus presbíteros e bispos.¹

     Não me estenderei aqui com divagações sobre a história do processo de normatização dos cargos dos padres-pastores e de sua continuidade pós-reforma. Meu objetivo claro é mostrar as reais funções de um presbyteroi, ou epyscopos, seja ele chamado atualmente de pastor, padre, ancião, bispo, elder etc.
     O fato é que não existem sacerdotes na religião de Jesus, não como os da Velha Aliança, que faziam a intermediação entre o crente e Deus. Os “sacerdotes” na religião de Jesus são cada um dos que crêem Nele, o Sumo e Magnífico Sacerdote, único intermediário entre Deus e nós.
     A função do pastor moderno deve ser a mesma dos presbíteros e bispos das primeiras igrejas. É bom lembrar que o moderno sermão, pomposo, cheio de vaidades acadêmicas e de prolixia, que só fazem bem ao ego dos que o estão pregando, só foi implantado na Igreja na era patrística, a partir do Século III. O local adequado para vaidades acadêmicas e da retórica prolixa é na academia, não na Igreja. O sermão, seja lá quem o profira, deve ser para a edificação do Corpo de Cristo, e nunca para engrandecer a intelectualidade daquele que prega. Sobre isso fala muito bem John Stott em sua Obra “Eu Creio na Pregação”.
     O exemplo de como devia funcionar uma igreja na era apostólica vem das palavras do apóstolo São Paulo à Igreja de Corinto, famosa pela sua carnalidade e desordem de culto. Assim segue:

“Então, que concluir, irmãos? Quando estiverdes reunidos, cada um dos presentes poderá entoar um salmo, transmitir um ensinamento ou uma revelação, falar em línguas ou interpretar: que tudo se faça em vista da edificação! Alguns desejam falar em línguas? Que o façam em turnos de duas ou, no máximo, três pessoas, e cada uma falando por sua vez; e que alguém interprete. Caso não haja quem interprete, guardem silêncio na reunião, falando cada qual a si mesmo e a Deus. Quanto aos profetas, falem dois ou três, e os outros façam discernimento. Se, porém, a um outro, ali presente, for feita uma revelação, cale-se o primeiro. Vós todos podeis profetizar, mas um de cada vez, de maneira que todos se instruam e sejam exortados. Aliás, os espíritos dos profetas estão sob o controle dos profetas, pois Deus não é Deus de desordem, mas de paz. Como se faz em todas as Igrejas dos santos...” 1 Coríntios 14:26-32.

     Isso se chama “Sacerdócio Universal”, a participação plena dos chamados no ato do Culto, sob a supervisão dos presbíteros ou bispos.
    Sacerdócio Universal metafísico, espiritual, não é sacerdócio universal. O sacerdócio deve ser um sacerdócio de funções, sempre. Não se deve colocar na conta de uma única pessoa o dever de edificar a Igreja.
     “Cada um dos presentes poderá...” e “que tudo se faça em vista da edificação”, “todos podeis profetizar, mas um de cada vez, de maneira que todos se instruam e sejam exortados.”

     Transformar a função pastoral no velho sacerdócio judaico-romano não é nada saudável para a fé dos crentes, a história das Igrejas Protestantes nos mostra isso. Igreja baseadas em personalidades não são e nunca serão saudáveis. Morre-se a personalidade, morre-se a igreja, que se perdeu na falta da sua múltipla vocação. Igrejas alicerçadas sobre carismas humanos não são igrejas. Crentes que só conseguem ouvir Deus falando pela boca de uma única pessoa não são crentes, são idólatras, pastólatras!

     Pastores têm de ser o que são: pastores. Devem pastorear a igreja, supervisioná-la, coordenar o “staff” de “sacerdotes”.
     Este texto ou estudo não vida de forma alguma minar a figura do pastor moderno, pois eu mesmo em sinto chamado ao ministério pastoral, como função e nunca cargo, mas esclarecer o real sentido da função. Muito me irrita a idolatria pastoral na Igreja de Jesus.
     A Igreja Evangélica adoecida ainda continua a influenciar as cabecinhas daqueles que deveriam ser libertos do ópio opressor da religião. Há “pastores” sim que se aproveitam da figura intercessora de “sacerdote” para ganhar prestígio e aplausos. Estes são aqueles cuja oração é mais “poderosa” que a minha e a sua, cuja voz é mais ouvida nos céus que a minha e a sua. Estes nada têm a ver com a religião de Jesus, que encerrou o véu de separação entre Deus e os homens e que deseja que sua igreja seja operante, ativa e viva em seu sacerdócio de funções e não num sacerdócio morto nas páginas de doutrinas das escolas dominicais da vida.
     “Todo cristão batizado é um ministro ordenado”, deveria ser a máxima da Igreja Protestante que se reforma a cada dia, mas infelizmente não tem sido. O que se vê, em geral, são os velhos sacerdotes de sempre, com seus super-poderes metafísicos, de transformar pão em corpo e vinho em sangue, soprando palavrinhas mágicas que alegram os corações daqueles que acreditam nos seus super-poderes. Do outro lado vê-se gente abobalhada, que rejeita seus carismas e os carismas alheios, em prol de uma clara veneração de personalidades.



     Todo crente é um sacerdote, não nas folhas de um papel ou documento da Igreja, mas na realidade plena da acepção da palavra. A OBRIGAÇÃO de edificar a igreja é comunitária. São dois ou três reunidos no nome Daquele que deixou o Espírito para edificar aqueles que invocam o Seu nome.
     Olhar para uma única pessoa como a única que possui qualidades para edificar uma igreja é idolatria, na mais profunda definição dessa palavra. Não é um pastor, mas um ídolo, que não possui sucessores nem iguais. A igreja deve ser edificada por todos os santos, que são instrumentos de Jesus Cristo e não por uma única pessoa.

     O cristão não possui ídolos, sejam eles de carne e osso, sejam projeções de frustrações, sejam principados, potestades ou qualquer outro.
     O Único Senhor da Igreja é Jesus, que subiu aos céus, levando cativo o cativeiro que nos acorrentava e derramando dons à Igreja, para que ela mutuamente, como corpo se edifique até a Sua volta.
     Fugir da Idolatria é conselho apostólico.

     E eu o recomendo primeiramente a mim, e depois àqueles que servem ao Único Senhor, diante de quem os ídolos nada são.

     Sempre protestante e em constante reforma,

Diácono Luiz Gustavo,
Sacerdote, como você!







¹ Early Christians Speak, p. 168. Cipriano normalmente chamava o Bispo de sacerdos, que é a palavra latina para “sacerdote”. A linguagem sacerdotal retirada do Velho Testamento para definir as posições hierárquicas na Igreja foi rapidamente adotada. (Ordination: A Biblical-Historical View, p. 177; From Christ to Constantine, p. 136). J. B. Lightfoot escreve que “a visão sacerdotal do ministério é um dos fenômenos mais interessantes e importantes da história da Igreja” (J.B. Lightfoot, Saint Paul’s Epistle to the Philippians, London: Macmillian & Co, 1888,
p. 144).