domingo, 22 de maio de 2011

Para começar, espiritualidade um conceito de partilha



O que é a ESPIRITUALIDADE? Sim, é necessário responder a essa indagação, antes de pensarmos qualquer coisa da Igreja, dos Gays e da Contemporaneidade (coloco com iniciais maiúsculas a fim do destaque para a relação intrínseca nessa conversa).

Eu diria, sem embargo, que a espiritualidade é um símbolo de uma aspiração humana, da própria cultura dos homens, que sempre, e em última análise, nos mostra o belo. Daí, tão comum, pensamento de que uma pessoa que vive a sua espiritualidade encontra em si a harmonia, a paz, a felicidade! Salvo os devidos exageros, a espiritualidade é uma condição essencial do homem e da sua cultura, do seu jeito de ser...

Pelo símbolo do belo, uma aspiração transcendente, não necessariamente mística, o homem é capaz de criar, se envolver, sair de si mesmo, ressignificar-se, pelo mesmo símbolo, num viés contraditório, o homem é capaz de se tornar mesquinho, infrutífero, ganancioso, conduto, tudo isso, não deixa de ser fruto dessa aspiração cultural que envolve a todos nós.

Por muito tempo, os gays na sociedade foram alvos de inúmeras atrocidades e, a maior delas, foi renegar o direito de aspirar, sonhar, buscar o belo, em um patamar de segunda categoria, não importância ou desprezo. Assim, nos tomaram Deus, nos retiraram a salvação, nos chamaram de escória... Mas, ainda podemos nos perguntar, você e eu: “Será que realmente conseguiram impetrar no nosso juízo tamanho desdém?”.

Uma coisa que aprendi é que, na vida, tudo ganha um significado especial quando se divide. O homem é um ser que busca, que peregrina, que está em constante mudança. Se o homem não é capaz de compartilhar, ele também não é capaz de buscar nada para si mesmo. Por isso vivemos em sociedade, por isso casamos, namoramos, frequentamos festas e nos sociabilizamos. Todo esse movimento é cercado de beleza, prazer, conforto; todo esse movimento faz, em última análise, parte dessa aspiração espiritual, nossa vocação inata!

É uma aspiração paradoxal, pois, ao mesmo tempo em que, ela cria os sistemas humanos, a sociedade, essa mesma aspiração não se deixa dominar, não se prende, e se volta contra esses mesmos sistemas, a fim de reorientá-los, caso contrário, as próprias aspirações, o belo, o desejo, a espiritualidade se sucumbiriam...

Assim, a espiritualidade é refletida na religião, claro, mas não é posse da mesma. E, foi assim, nos meus primeiros anos do curso de teologia, que vi o inusitado, a face do Cristo num travesti na cidade: Era uma noite fria de inverno, aquele travesti estava fazendo programa, quando, de repente, ele notou um mendigo que dormia debaixo de uma marquise, envolto num plástico para se esquentar. Eu observava tudo da janela de meu quarto, estava mergulhado nos meus próprios problemas, e não dava a mínima para o mendigo! Afinal, eu não tinha direito nem para mim...

O travesti entrou num carro, demorou alguns bons minutos e, quando voltou, no mesmo carro em que havia saído, estava com um cobertor grosso, felpudo e entregou àquele mendigo, que com a expressão singela de gratidão, beijou as mãos daquele que se prostituia...

A espiritualidade nos remete ao belo, e eu pensei: “o travesti se prostitui, mas eu sou o verdadeiro prostituto! Ele pegou algo de si, e foi capaz de oferecer ao outro que estava necessitado, podendo, até mesmo, ter sacrificado um cliente, uma fonte de renda. Eu da janela de meu quarto, fui incapaz de um movimento tão nobre e sublime... Acho que tenho que rever-me em muito!”.

A espiritualidade verdadeira é aquele que busca o outro para que na comum união a beleza se manifeste. Como diria Francisco de Assis: “é dando que se recebe.”. Pobre contemporaneidade, que acumula em celeiros e não vislumbra nas pequenas coisas a maior beleza do existir.

Nenhum comentário: